Passado do Exército recomenda cautela a quem lhes dá força no presente
Uma cerimônia em Brasília na quarta (28) ajudou a juntar pontos do passado e do presente das Forças Armadas.
Cercado de amigos oficiais, o general Antonio Hamilton Mourão entrou para a reserva e, em discurso, elogiou o coronel Carlos Brilhante Ustra, que chefiou o DOI-Codi paulista, um dos principais centros de repressão e tortura da ditadura militar.
Em entrevista, Mourão incluiu Michel Temer entre os que deveriam ser expurgados da vida pública. Disse que trabalhará pela eleição de Jair Bolsonaro, outro saudoso de Ustra e da ditadura. À piauí prometeu ainda afinar uma frente de candidatos militares pelo país.
Na ativa, quando era proibido de fazê-lo, Mourão já atacara Temer, Dilma e sugerira uma intervenção militar. Chegou a ser transferido de função, mas pôde aguardar a aposentadoria sem maiores contratempos, ganhando popularidade entre os entusiastas do militarismo.
Mais sintomática do ponto de vista histórico foi a declaração de Mourão sobre a intervenção militar no Rio. Trata-se de algo “meia-sola”, disse.
O general buscou no século 19 o exemplo das intervenções imperiais nas províncias. Evocou o duque de Caxias, que acumulava nesses casos não só o poder militar, mas político.
Presente na despedida, o comandante do Exército, general Eduardo Villas-Bôas, saudou no Twitter a liderança e a disciplina intelectual do amigo.
Na cerimônia de passagem para reserva do Gen Ex Mourão – soldado na essência d’alma! – sentimos emoção genuína e reconhecimento ao @exercitooficial. Todos te agradecemos amigo Mourão os exemplos de camaradagem, disciplina intelectual e liderança pelo exemplo. #ObrigadoSoldado pic.twitter.com/b8S7ivjMfE
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) 28 de fevereiro de 2018
O mesmo Villas-Bôas que, prolífico em manifestações públicas, citou em 2017 o americano Samuel Huntington, que inspirava os militares durante a ditadura: “A lealdade e a obediência são as mais altas virtudes militares; mas quais serão os limites da obediência?”
Samuel Huntington nos instiga: “A lealdade e a obediência são as mais altas virtudes militares; mas quais serão os limites da obediência?” O Estado, ao nos delegar poder p/ exercer a violência em seu nome, precisa saber q agiremos sempre em prol da sociedade da qual somos servos. pic.twitter.com/M7cavxr7Wz
— General Villas Boas (@Gen_VillasBoas) November 30, 2017
Sem um colchão de votos diretos e coberto por apenas 6% de popularidade, Temer se cercou de militares como nenhum outro presidente no passado recente.
Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, Joaquim Silva e Luna, ministro interino da Defesa, e Walter Braga Netto, interventor no Rio, são apenas os principais generais alçados ao primeiro escalão do temerismo.
A exaltação das intervenções de Caxias, da ditadura e o questionamento da obediência entre generais mostram que continua popular uma espécie de mito fundador dos militares: a ideia de que os formados na caserna são mais éticos e preparados que os civis. E, portanto, mais aptos a guiar os destinos nacionais. (já falei mais a respeito aqui)
O argumento vingou –ou tentou vingar– na queda da monarquia, no tenentismo, na ascensão, renúncia e suicídio de Getúlio Vargas, nos anos JK, na saída de Jânio Quadros e, claro, na ditadura militar.
Na história republicana, o protagonismo dos quartéis só não ensaiou bater à porta dos brasileiros de forma significativa nas décadas de 1900, 1990 e 2000. A ver se poderemos incluir os anos 2010 na lista.
Os interessados em ver o Exército no centro da arena têm em 2018 oportunidade de ganhar espaços. Se a intervenção no Rio der certo, por que não um militar na Saúde, nos Transportes, na Petrobras?
Nem é preciso repetir um golpe à moda antiga para que o popular e minoritário contingente militar da sociedade aproveite o empoderamento cedido pelos civis para almejar funções menos operacionais. Já almejaram e conseguiram antes.