Há cem anos, Brasil enfim entrava na Primeira Guerra Mundial
Países que sentiram na carne a barbárie da Primeira Guerra Mundial, França e Reino Unido (e algumas de suas ex-colônias, como Canadá e Austrália) se preparam para um dia solene de seus calendários nacionais: 11 de novembro, aniversário do fim do primeiro conflito global do século 20.
O armistício completa 99 anos nesta sexta-feira.
Na França, é tradicionalmente lembrado com um feriado e cerimônias oficiais. Britânicos, canadenses, australianos e neozelandeses usam em massa, nessa época, flores vermelhas (poppies) no peito, honrando os mortos em guerras.
Neste ano, mais especificamente no último dia 26 de outubro, completaram-se 100 anos que o Brasil declarou guerra à Alemanha em 1917, entrando enfim no conflito mundial que começara em 1914 e acabaria em 1918.
Apesar de ser uma data mais cheia que a celebração do armísticio, o centenário da estreia brasileira na Primeira Guerra foi largamente ignorado.
Em grande medida, pelo fato de a participação do Brasil no conflito ter sido discretíssima.
FIM DA NEUTRALIDADE, AINDA QUE TARDIO
Durante a maior parte da guerra, o país optou por se manter neutro no confronto que opôs as lideranças encabeçadas de um lado por Reino Unido e França e, do outro, por Alemanha e Império Austro-Húngaro.
Lobbies internos pressionavam por apoio a um dos lados, fossem entre os imigrantes alemães concentrados no Sul ou a elite intelectual francófila da época –sendo o segundo grupo de pressão muito maior e mais influente.
Em outubro de 1917, diante de mais um torpedeamento de navio brasileiro pela Alemanha, enfim veio o decreto assinado pelo presidente Wenceslau Braz, um daqueles mandatários da República Velha que a maioria de nós tem dificuldades de lembrar: “Fica reconhecido e proclamado o estado de guerra iniciado pelo império alemão contra o Brasil”.
A declaração de guerra foi comemorada por Ruy Barbosa, então senador opositor, conforme registrou à época “O Estado de S. Paulo”: “Todos os povos civilizados estavam no dever de dar o seu concurso de sangue a esta tremenda carnificina criada pela Alemanha. Ao darmos este passo, o mais grave que temos dado, não se trata de irmos defender na Europa os interesses dos aliados –o Brasil vai defender-se a si mesmo, vai defender a sua existência moral e a sua existência política, vai defender a estabilidade de seu território”.
ATAQUE AOS GOLFINHOS
O concurso de sangue brasileiro se mostraria diminuto.
Um grupo de oficiais foi enviado para a França e uma missão médica brasileira foi instalada em Paris. Treze pilotos foram emprestados à Força Aérea Britânica.
A maior, embora pequena, contribuição foi da Marinha, que enviou uma divisão naval para patrulhar a costa da África.
Tendo zarpado apenas em julho de 1918, a força sofreu baixas em uma escala africana devido à gripe espanhola e chegou à Europa um dia antes do fim da guerra. Ficou marcada pelo episódio em que confundiu golfinhos com um submarino alemão, levando a um massacre de cetáceos.
O historiador militar Carlos Daróz registra em seu “O Brasil na Primeira Guerra Mundial: a longa travessia” que quase 200 brasileiros morreram nos navios e campos da batalha da Grande Guerra, “a maioria vitimada pela pandemia de gripe espanhola e outros em decorrência de acidentes durante as operações”.
Outros tantos lutaram como voluntários pelas nações em que nasceram, caso de muitos imigrantes italianos e alemães –ou dos príncipes exilados dom Luís e dom Antônio de Orléans e Bragança, filhos da princesa Isabel, que lutaram do lado britânico.
EFEITOS ECONÔMICOS
Se não houve muito sangue brasileiro derramado, os principais efeitos da Primeira Guerra no país foram políticos e econômicos.
O país, à época agrário e iletrado, sofreu com a queda da venda de café e com a dificuldade de comprar bens industrializados da Europa. O foco do país alterou-se para os Estados Unidos, não apenas econômica, mas diplomaticamente.
O morticínio da Grande Guerra trouxe ainda um desencanto da elite pensante do país sobre a Europa, tema sobre o qual já tratei nessa entrevista publicada em 2014 com o historiador francês Olivier Compagnon, autor do livro “Adeus à Europa”.
A atuação modesta trouxe, porém, alguns frutos ao país, então extremamente periférico, em termos de estatura diplomática. Como país beligerante, o Brasil pôde participar da Conferência de Paz de Paris de 1919, onde conseguiu indenizações e a compra a preço simbólico de navios alemães apreendidos.
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