Da engorda ao abate: o fim da dinastia Romanov nas mãos da Revolução Russa

Rodrigo Vizeu

Forçado a abdicar pelos revolucionários russos em março de 1917, o czar Nicolau 2º ajudou a traçar seu destino e de sua família logo após ser derrubado.

“Eu nunca deixaria a Rússia, eu a amo demais”, respondeu diante dos apelos de que deixasse o país o quanto antes, segundo relato de Simon Sebag Montefiore no livro “The Romanovs – 1613-1918”.

(Mais detalhes sobre a chamada Revolução de Fevereiro –que completa 100 anos nesta quarta-feira (8) e se chama assim por ter ocorrido sob o antigo calendário juliano– estão nesta reportagem de Igor Gielow.)

Uma transferência da família Romanov para o Reino Unido chegou a ser articulada –Nicolau era primo do rei britânico George 5º–, mas não vingou.

Nicolau 2º rodeado pela czarina Alexandra, as princesas Maria, Anastasia, Tatiana, Olga, e o príncipe Alexei

De início, o ex-czar foi bem tratado pelo frágil Governo Provisório, de maioria liberal.

A família foi para Tsarskoe Selo, aprazível residência palaciana próxima de Petrogrado (hoje São Petersburgo). Lá, plantavam e tomavam sol.

Eram protegidos pelo primeiro-ministro socialista Alexander Kerênski, de perfil moderado.

“Essa pessoa tem um papel positivo. Quanto mais poder ele tiver, melhor as coisas serão”, animou-se antes da hora Nicolau.

Certa vez, ao ser pressionado a executar o ex-déspota, Kerênski respondeu: “Eu não serei o Marat da Revolução Russa!”, em referência ao revolucionário francês, conforme conta o escritor e padre anticomunista Edmund Walsh, que escreveu sobre a queda dos Romanov no fim dos anos 1920.

O premiê disse ver a ex-czarina Alexandra “simplesmente como uma mãe, ansiosa e chorosa”.

Em que pese o clima amistoso que parecia reinar, Kerênski decidiu por mandar os Romanov para Tobolsk, na Sibéria, a mais de 2.800 km de São Petrogrado, sob o argumento de que eles corriam riscos no clima de convulsão interna que assolava a então capital russa.

Nicolau e Alexei no exílio em Tobolsk, em 1917 (coleção da Universidade Yale)

(Uma provocação, registrada por Edmund Walsh: se estivesse realmente preocupado com a segurança da família, o novo líder russo poderia tê-los enviado para a Crimeia, onde estavam Romanov de segunda grandeza que conseguiriam escapar do país. Mas ele preferiu despachar o ex-imperador e autocrata de todas as Rússias, título que tivera Nicolau, para a região gélida que fora destino de tantos inimigos do czarismo.)

Mesmo em endereço tão pouco convidativo, a família derrubada ainda não estava na pior. Foram acondicionados em uma confortável residência de governador.

Enquanto Petrogrado passava fome, Nicolau escrevia à mãe, que estava na Crimeia. “A comida aqui é excelente e há bastante, então todos nós nos adaptamos bem a Tobolsk e engordamos uns três, quatro quilos.”

Deu ruim em outubro

O vento ia começar a virar a partir de outubro (novembro, no calendário atual) de 1917.

Montagem com os rosto de Lênin e Kerênski (Theo Lamar/Folhapress)

Os bolcheviques, ala mais radical liderada por Vladimir Lênin e que defendia uma revolução direta liderada por uma vanguarda proletária, derrubaram Kerênski, cujo grupo queria uma transição democrática e burguesa antes de entregar o país, só um dia, às massas socialistas e operárias.

Os bolcheviques tinham bem menos apreço pelos Romanov.

Da Sibéria, a ficha demorou a cair. Nicolau passava o tempo maldizendo os novos donos do poder. Profundamente antissemita, via nos judeus a culpa pela sua desgraça. As filhas do ex-czar se divertiam com os guardas, chegando a decorar uma árvore de Natal para a família e outra para os soldados.

O massacre

Em fevereiro de 1918, a nova realidade bateu à porta. A família foi transferida para Ecaterimburgo, a 600 km a oeste de Tobolsk, com muito menos conforto.

Os comissários bolcheviques pressionavam por um julgamento dos Romanov.

O líder comunista protelava a decisão, mas temia deixar o ex-czar vivo com o novo regime russo ainda tão frágil. Hesitava, porém, quanto à execução das crianças da família. Sua referência era a Revolução Francesa, que guilhotinara o rei e a rainha, mas poupara os rebentos.

O temor de que eles acabassem resgatados por aliados do czarismo levou os bolcheviques, por fim, a decidirem –com o beneplácito de Lênin– pelo extermínio da família inteira.

A operação foi comandada por um grupo liderado pelo agente da política secreta Iakov Iurovski, de 33 anos. Integrava o grupo Peter Ermakov, que certa vez serrara a cabeça de um homem durante um assalto a banco.

Simulando mais uma transferência, os assassinos levaram os Romanov a uma sala.

Iurovski leu a sentença de morte e atirou em Nicolau. O restante do pelotão, que deveria mirar nos demais membros da família imperial, também preferiu apontar para o ex-czar.

Como o restante da família não morrera imediatamente, instalou-se um pandemônio de vários minutos até que todos fossem mortos.

O drama se prolongou porque os Romanov haviam escondido joias e diamantes nas roupas, o que criou coletes à prova de balas informais. Alguns tiveram que ser mortos a golpes de baionetas.

Entre os assassinados, estava o pequeno príncipe herdeiro Alexei, de 13 anos. Sem ter morrido na hora devido à proteção de joias, foi esfaqueado e baleado na cabeça pelos agentes.

Ao fim do banho de sangue, mais de sete quilos de joias foram coletados dos corpos dos Romanov, que foram despidos e queimados com fogo e ácido.

“Ninguém nunca saberá o que aconteceu”, disse Iurovski.

Apenas décadas depois, com o fim da URSS, as ossadas seriam desenterradas e identificadas.

“Nós nos silenciamos por muito tempo sobre esse crime monstruoso. O massacre de Ecaterimburgo se tornou um dos momentos mais vergonhosos de nossa história”, disse em 1998 o então presidente russo Bóris Iéltsin.