Presidentes brasileiros já chamaram Fidel de mito, tímido, moderado e planejaram derrubá-lo
Michel Temer foi comedido ao comentar a morte de Fidel Castro, chamando o cubano de “homem de convicções”.
Um comentário tímido que faz sentido, já que Temer está em campo oposto da esquerda brasileira e latino-americana que, em boa medida, vê um ídolo no líder da Revolução Cubana.
Como fez com quase todos, Fidel despertou reações apaixonadas também na classe política brasileira, que ao longo das décadas dedicou ao cubano todo tipo de sentimento, a depender da matiz ideológica: ódio anticomunista, temor (mesmo quando não havia) de conspirações para trocar a ditadura militar por uma ditadura do proletariado e cobranças por democratização.
O regime cubano também teve por parte dos líderes brasileiros reconhecimento por avanços na saúde e na educação, solidariedade contra o embargo dos EUA, vista grossa aos abusos aos direitos humanos e tietagem pura e simples.
Veja abaixo o que alguns presidentes brasileiros disseram sobre Fidel.
“Isto é minha opinião particular: Fidel Castro é uma força nova que está surgindo nestas Américas. Poderá fazer muita coisa. Será, dentro de pouco tempo, um dos líderes de grande força”
Juscelino Kubitschek, em 30 de abril de 1959, após receber, em uma Brasília ainda em obras, o líder cubano que acabava de chegar ao poder e fazia giro pelo continente
“Recebi um convite do primeiro-ministro Fidel Castro com alta distinção. Na minha qualidade de candidato à Presidência da República, entendo ser meu dever acompanhar os fenômenos políticos mundiais com a atenção que reclamam, sobretudo por ser em nosso continente”
Jânio Quadros, então candidato a presidente em 1960, respondendo às críticas a sua viagem a Cuba, onde foi recebido por Fidel, elogiou o líder cubano (“tímido, mas perfeito líder que exerce fascínio sobre o povo”, como definiu o enviado do “O Estado de S. Paulo”) e defendeu implantar no Brasil uma reforma agrária à cubana (o que não fez); na Presidência, voltou a causar polêmica ao condecorar Che Guevara
“O presidente Médici disse então que havia um grande número de exilados cubanos por toda a América; ele acreditava que havia agora um milhão de cubanos nos Estados Unidos. Esses homens diziam ter forças para derrubar o regime de Castro. A questão surgiu, deveríamos ajudá-los ou não? O presidente [Richard Nixon, dos EUA] ponderou e disse que ele acreditava que nós deveríamos, contanto que não os pressionássemos a fazer algo que não poderíamos apoiar, e contanto que nossa mão não aparecesse. O presidente Médici concordou, dizendo que sob nenhuma circunstância qualquer assistência que déssemos fosse visível. Se houvesse qualquer coisa que o presidente [Nixon] acreditasse que o Brasil pudesse fazer para ajudar, ele [Médici] estaria grato de conversar por um canal privado”
Memorando americano que relata conversa na Casa Branca entre o general Emílio Garrastazu Médici, à frente da ditadura brasileira, e o presidente dos EUA, Richard Nixon, em 9 de dezembro de 1971
“O progresso das reformas econômicas e o avanço das aberturas políticas são responsabilidade do povo cubano. Tal processo deve ser apoiado por uma política de mão estendida. Nada se ganhará com o continuado isolamento político e econômico daquele país”
Itamar Franco, em 9 de setembro de 1994, ao defender o fim do embargo americano a Cuba
“Ele [João Paulo 2º] teve simpatia pelo Fidel Castro e o achou um homem de fundo cristão —me parece uma observação genuína do papa. Aliás, também tenho essa impressão do Fidel Castro a esta altura da vida. A de um homem mais moderado. Não sei se ele terá capacidade de romper com sua biografia e fazer o que Cuba precisa que ele faça, mas seria muito bom que ele próprio liderasse essa nova etapa pelo qual o país tanto anseia —e que vai acontecer—, de mais liberdade e de uma forma menos selvagem de socialismo e de capitalismo. Mas não creio que Fidel tenha capacidade de se ver em outro papel que não o tradicional. Talvez ele seja demasiado estátua para poder aceitar uma mudança não de função, mas de visão do mundo”
Fernando Henrique Cardoso, em 17 de fevereiro de 1997, em seus diários
“O grande mito continua. Ele construiu isso à custa de muita competência, muito caráter e força de vontade e também de muita divergência e polêmica (…) Tenho um gesto com Fidel inesquecível. Ele foi à posse do [Fernando] Collor e foi a São Bernardo almoçar comigo. Raramente um líder visita quem perde uma eleição. Quando perdi eleição para governo de Estado em 1982, e quando fui a Cuba, ele perguntou em que parte do mundo um operário tem 1,2 milhão de votos. Eu que me achava o mais derrotado, me achei mais importante (…) Eu respeito que cada povo decida o seu regime político. Vamos deixar que os cubanos cuidem do que querem na política e vamos cuidar nós do Brasil. Se cada um cuidar do seu nariz, está bom demais (…) O que complica é quando começam a dar palpite nas coisas dos outros. Isso pode gerar conflitos. Os cubanos têm maturidade para resolver seus problemas sem precisar de ingerências brasileiras ou americanas.”
Luiz Inácio Lula da Silva, em 19 de fevereiro de 2008, após Fidel renunciar à Presidência de Cuba
“Ele [Fidel] está bem, ele está inteiro, lúcido. É muito interessante, porque uma pessoa que viveu um período muito grande da história do mundo e conheceu pessoalmente muitas coisas, e ele tem uma excelente memória, e conta as histórias… É muito interessante. (…) Ele falou muito… Ele estava discutindo num momento, você veja como as conversas são. Nós começamos a conversar sobre… ele estava falando sobre o [Nikita] Kruschev, e falou sobre – porque o [líder soviético Nikita] Kruschev foi responsável pela direção em Stalingrado. Ele discutiu a guerra, depois falou do Napoleão, aí discutiu sobre o Napoleão. E fala sobre toda a história da América Latina e do mundo”
Dilma Rousseff, em 28 de janeiro de 2014, relatando encontro com o já ex-ditador em Havana