Enquanto você publica sua foto de criança, 12 de outubro é dia de treta na Espanha
Quem passa o 12 de outubro em um clima ameno de brinquedos, fotos de crianças em redes sociais e eventuais referências a Nossa Senhora Aparecida talvez não conheça o clima conflagrado que a data ganha a alguns milhares de quilômetros daqui.
O dia vem a ser, na Espanha, de Festa Nacional –um equivalente ao nosso 7 de Setembro.
Agora, se no Brasil a data nacional se passa sem maiores controvérsias históricas, não é o caso dos espanhóis.
Isso porque a data máxima da Espanha tem tudo a ver com a colonização da América –iniciada em 12 de outubro de 1492, quando o genovês Cristóvão Colombo desembarcou no Novo Continente a soldo da Coroa espanhola.
Inicialmente chamada de Día de la Raza (Dia da Raça), no caso, a espanhola, a festa começou a ser chamada de Día de la Hispanidad a partir dos anos 1930.
A partir dessa época, a data, que já tinha potencial de causar relativa treta por celebrar um processo de colonização que impôs a cultura e a religião europeia aos nativos e levou à morte de milhões deles, conseguiu ficar ainda mais polêmica.
A exaltação patriótica e da “raça” espanhola tinha tudo a ver com a ideologia do regime do general Francisco Franco, que comandou a vitória dos nacionalistas na Guerra Civil Espanhola em 1939 e governou o país em um regime de inspiração fascista até os anos 1970.
O ranço que ligava a data ao franquismo fez com que, já sob a democracia, em 1987, a expressão hispanidad fosse oficialmente substituído por Festa Nacional da Espanha.
Mas a lei que instituiu a data seguia afirmando que ela “simboliza a efeméride histórica na qual a Espanha, a ponto de concluir um processo de construção do Estado a partir de nossa pluralidade cultural e política, e a integração dos reinos da Espanha em uma mesma monarquia, inicia um período de projeção linguística e cultural além dos limites europeus”.
Eis um prato cheio para irritar 1) os diferentes grupos separatistas dentro do país; 2) os opositores do regime monárquico; e 3) os críticos à exaltação do colonialismo dentro da Espanha e em suas ex-colônias.
Sobre o terceiro ponto, o tal Día de la Raza se espalhou pelos países de língua espanhola (No Brasil, também temos um em geral ignorado Dia da Raça em 5 de setembro, herança do Estado Novo de Getúlio Vargas).
Mas, nas ex-colônias espanholas, reações a ideia de ter uma data para celebrar os colonizadores levaram alguns governos de esquerda a mudar seu nome para Dia do Respeito à Diversidade Cultural, no caso da Argentina, ou um mais direto Dia da Resistência Indígena, na Venezuela e na Nicarágua.
Enquanto isso, nesta quarta, na Espanha, mais uma vez diversos grupos se rebelaram contra a festa. Prefeitos rebeldes mantiveram repartições funcionando (a Prefeitura de Madri enfeitou um de seus prédios com uma whipala, bandeira indígena que celebra o multiculturalismo), movimentos de esquerda ou antimonarquistas repudiaram publicamente as celebrações e uma miríade de artigos reclamando da data foram publicados na imprensa espanhola.
Nada disso impediu, claro, que o rei Felipe 6º oferecesse uma recepção para 1.300 convidados em seu palácio e 3.500 militares desfilassem pelas ruas de Madri.