As inacreditáveis histórias do ditador que fez a rainha Vitória riscar a Bolívia do mapa

Rodrigo Vizeu

Em uma América Latina onde é difícil dizer qual caudilho praticou mais desmandos e arbitrariedades, desponta da Bolívia do século 19 um bom candidato a pior déspota do continente.

Pouco lembrado fora das fronteiras bolivianas, o general Mariano Melgarejo, que governou o país andino entre 1864 e 1871 (época em que o Brasil era comandado pelo imperador dom Pedro 2º), é lembrado por muitos bolivianos como o pior presidente da história de um país marcado por péssimos mandatários.

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Até hoje circulam no país anedotas sobre as condutas absurdas e às vezes criminosas do então presidente, muitas delas com tons de lendas.

Filho de um espanhol com uma boliviana, Melgarejo era analfabeto, alcoólatra e deu um golpe para chegar ao poder. Era dado a orgias e a passear bêbado com tropas pelas madrugadas de La Paz.

Sua ascensão foi seguida de uma guerra civil que contrapôs suas tropas às do ex-presidente Manuel Isidoro Belzú. Ali começam as histórias que erguem o mito.

Longa vida

O ex-presidente levava vantagem no conflito e ocupava o palácio presidencial, em La Paz, quando foi procurado por Melgarejo, que estaria interessado em um entendimento. Ao invés de negociar, Melgarejo (ou um dos seus asseclas) matou Belzú ali mesmo.

Vendo que uma multidão que desconhecia o crime exaltava Belzú na praça em frente ao palácio, o general levou o corpo do ex-presidente até o balcão e perguntou quem merecia os vivas agora. “Longa vida a Melgarejo!” foi a resposta.

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Ilustração mostra a morte do ex-presidente Belzú em conflito com o general Melgarejo

Em outra oportunidade, em mais uma demonstração de seu poder, o general quis mostrar a um visitante estrangeiro o nível de disciplina de seus soldados. Chamou parte de sua escolta ao gabinete, abriu as portas dos balcões do palácio e ordenou que marchassem em direção ao exterior.

Como ninguém ali queria contrariar as ordens do chefe, os membros de sua guarda pessoal se jogaram do segundo andar do prédio, alguns deles ferindo-se.

Botou no bolso

Com o poder consolidado, Melgarejo estabeleceu uma ditadura violenta que perseguiu opositores e prejudicou especialmente a majoritária população indígena boliviana, tomando suas terras.

Em 1868, Melgarejo reuniu o Congresso para a edição de nova Constituição para o país. Com ela de pé, reuniu a elite política e econômica da Bolívia para um banquete.

Após ouvir discursos exaltando a superioridade da nova Carta magna sobre a anterior, respondeu, para a mofinez generalizada dos presentes: “Não sou nenhum falso nem hipócrita: saibam todos os senhores deputados que a Constituição de 1861, que era muito boa, meti em esse bolso, e a de 1868, que é melhor, segundo esses doutores, já meti em esse outro, e que ninguém governa na Bolívia mais que do que eu”.

Questões externas

É na relação com outros países que o general reúne algumas de suas histórias mais absurdas –além de danosas para a Bolívia.

Foi sob sua administração que foi firmado tratado territorial com concessões ao Chile, que, anos depois, abriria margem para contestações que levariam à perda do litoral boliviano, reclamado até hoje por La Paz.

Ao eclodir a guerra franco-prussiana, o ditador, francófilo declarado, mandou mobilizar as tropas para colocar a Bolívia ao lado da França no conflito, para o terror de seus comandantes, que não viam como viabilizar tal traslado de soldados. Acabou dissuadido e evitou um pesadelo logístico para o mambembe Exército boliviano.

Questões equinas

Um causo famoso envolve o Brasil. Diz a lenda que foi decisivo para a assinatura do Tratado de Ayacucho, de 1867, que vendeu largas porções do território boliviano ao Brasil, a inclusão na negociação de um belo cavalo branco para Melgarejo.

A história se confunde com a lenda comum no Brasil de que o hoje Estado do Acre foi comprado pelo Brasil da Bolívia por um cavalo. Na verdade, a incorporação do Acre só ocorreria décadas depois, por meio de outro tratado, o de Petrópolis.

As questões equinas perpassariam a política externa de Melgarejo em outra ocasião.

De acordo com uma das mais famosas e controversas histórias envolvendo o general, ele obrigou um embaixador britânico que o teria contrariado a montar nu e de costa sobre um burro e circular por La Paz, antes de expulsá-lo do país (vale ressaltar que a história, talvez a lenda magna sobre Melgarejo, tem diversas versões e detalhes dissonantes, entre eles se foi mesmo o general o presidente que protagonizou o episódio).

Ao saber do ocorrido, a rainha Vitória mandou bombardear a capital boliviana. Após ser informada de que isso não seria possível pela distância da cidade do litoral, mandou trazer um mapa, riscou a Bolívia e anunciou que o país não mais existia.

Deposto por adversários internos em 1871, Melgarejo se exilou no Peru, onde acabou assassinado pelo ex-cunhado naquele mesmo ano.

Boa parte das muitas vezes inacreditáveis histórias envolvendo sua funesta passagem pelo comando de um país estão compilados em uma obra de 1917 chamada “El general Melgarejo: hechos y dichos de este hombre célebre”, do biógrafo Tomás O’Connor d’Arlach.


Por diversas razões, este blog estava indesculpavelmente desatualizado há quase dois meses. Espero que isso não volte a ocorrer e que tenhamos aqui novas histórias sempre.