Há 52 anos, um golpe se firmava no Brasil no Dia da Mentira; relembre em 16 frases
Em 31 de março de 1964, dava-se início ao golpe militar que derrubou o presidente da República João Goulart, o Jango. Concretizado no dia seguinte, 1º de abril, o Dia da Mentira, o levante das Forças Armadas levou ao exílio do presidente constitucional e à posse do marechal Humberto Castelo Branco como presidente.
Em tempos de Guerra Fria, o golpe, apoiado pelos EUA, empresários e boa parte da imprensa, era uma reação aos temores de que Jango estivesse imprimindo uma guinada à esquerda.
Ao longo dos anos, os militares endureceram o regime: cassaram opositores, controlaram a Justiça e investigações contra si mesmos, censuraram a imprensa e, diante do crescimento de vozes dissonantes e de uma oposição armada de esquerda que começou a se estruturar no fim dos anos 1960, montaram uma máquina de repressão, espionagem, tortura e assassinatos clandestinos que desbaratou as guerrilhas em poucos anos e, sem mais inimigos externos, passou a inventá-los e criar problemas até para os generais-presidentes.
Após o embalo do “milagre econômico” do início dos anos 1970, o regime de caráter autocrático, centralizador, estatista e nacionalista padeceu com a alta dos preços do petróleo, endividou-se e levou o país à década perdida de 1980. Mesmo impopular, guiou a própria transição em direção a um governo civil, em 1985.
Relembre abaixo os 52 anos do golpe em 16 frases, a maioria dos marechais e generais que comandaram o país no período. Muitas delas estão na série de livros sobre o período do jornalista Elio Gaspari.
“A esquerda é boa para duas coisas: organizar manifestações de rua e desorganizar a economia”
Marechal Humberto Castelo Branco, primeiro presidente do regime iniciado em 1964
“Isso é um tumor (…) É a onda vermelha que pretende tomar o poder à força”
General Manoel Carvalho de Lisboa, comandante do 2º Exército, sobre o assassinato do soldado Mário Kozel Filho, morto em ataque do grupo guerrilheiro Vanguarda Popular Revolucionária em 1968
“Queremos advertir aqueles que tortura, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente”
Manifesto, lido em rede nacional, dos grupos guerrilheiros ALN (Ação Libertadora Nacional) e MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) após o sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em setembro de 1969
“Sei que Vossa Excelência repugna, como a mim e a todos os membros desse Conselho, enveredar pelo caminho da ditadura pura e simples, mas me parece que claramente é esta que está diante de nós (…) Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”
Jarbas Passarinho, coronel da reserva e ministro do Trabalho do presidente Artur da Costa e Silva, durante reunião em 13 de dezembro de 1968 na qual os principais auxiliares do marechal-presidente concordaram com a edição do AI-5, o Ato Institucional nº 5, que deu poderes extraordinários à ditadura e suspendeu garantias individuais como forma de conter a oposição ao regime e a luta armada
“Se não tomarmos neste momento esta medida que está sendo aventada, amanhã vamos apanhar na cara, senhor presidente”
General Orlando Geisel, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, na mesma reunião
“Ao término do meu período administrativo, espero deixar definitivamente instaurada a democracia no país (…) Desejo manter a paz e a ordem. Por isso mesmo, advirto que todo aquele que tentar contra a tranquilidade pública e a segurança nacional será inapelavelmente punido”
General Emílio Garrastazu Médici, sucessor de Costa e Silva em mensagem divulgada em rádio e TV em 7 de outubro de 1969, antes de sua posse
“Os nossos estão morrendo e têm o direito de revidar com as armas. Esta é uma guerra, em que se mata ou se morre. Mas prender alguém para depois submetê-lo a tortura é de tal modo covarde e ignóbil que não posso encontrar palavras adequadas para condenar prática tão sórdida. Proíbo, terminantemente, torturas em meu governo”
Médici, que presidiu o país durante o período mais violento da ditadura. Mais de 3.600 denúncias de tortura pairam sobre seu governo, número mais de três vezes superior ao segundo colocado, seu sucessor Ernesto Geisel
“Foi a mesma coisa que matar uma mosca com um martelo-pilão (…) Evidentemente, o método mata a mosca, pulveriza a mosca, esmigalha a mosca, quando, às vezes, apenas com um abano é possível matar aquela mosca ou espantá-la”
General Adyr Fiúza de Castro, fundador do CIE (Centro de Informações do Exército) e chefe do Codi (Centro de Operações de Defesa Interna) do Rio de Janeiro nos anos 1970, em entrevista a pesquisadoras da FGV em 1993, sobre a repressão do regime militar contra as organizações armadas de esquerda, que em 1974 já praticamente inexistiam no país
“A liberdade que se precisa para viver, essa existe. Não há liberdade é para a bagunça, a baderna, a ação contra o governo”
General Ernesto Geisel, em 1972, dois anos antes de de tomar posse na Presidência da República
“Bom era no tempo dos reis. O problema da legitimação era simples. Era o direito divino. Depois inventaram esse negócio de povo. O povo. Quem é o povo? Resultado, de Deus passou para o povo, e agora para o sabre, um sabre enferrujado”
Geisel, também em 1972
“Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser”
Geisel em conversa em fevereiro de 1974, um mês antes de sua posse, com o general Dale Coutinho, que viria a ser seu ministro do Exército. O futuro presidente respondia a Coutinho, que relatara, em referência ao combate à luta armada, que “o negócio melhorou muito (…) quando nós começamos a matar”.
“Jamais teve iniciativa de mandar investigar qualquer fato. Sempre determinou que o SNI [Serviço Nacional de Informações] e o Ministério da Justiça tomassem medidas para evitar o que está acontecendo”
Manuscrito do então chefe do SNI, João Baptista Figueiredo, levado a conversa com Médici. Nela, Figueiredo apresentava explicações de Geisel sobre notícias publicadas na imprensa sobre escândalos ocorridos no governo do antecessor.
“De ordem superior, fica proibida a divulgação, através do rádio e da televisão, de comentários sobre a vida e a atuação política do Sr. João Goulart. A simples notícia do falecimento é permitida, desde que não seja repetida sucessivamente”
Ordem da censura após a morte, em 1976, do presidente deposto pelo golpe de 1964
“Acabo de sair de uma discussão na qual se decidiu o aumento dos táxis em Curitiba. Não ando de táxi há três anos e não vou a Curitiba há mais de dez. O que é que eu posso dizer a respeito desse assunto? Estamos mandando tanto que não mandamos mais nada. Concentramos o poder de tal forma que produzimos um buraco negro, capaz de absorver qualquer energia”
General Golbery do Couto e Silva, criador do SNI e chefe da Casa Civil de Geisel, em relato de 1977 registrado no livro “A ditadura encurralada”, de Elio Gaspari
“Quando Kissinger diz, como fez há pouco, que o Brasil tem um tipo de governo compatível com o nosso, bem, aí está o tipo de coisa que nós queremos mudar. O Brasil não tem um governo democrático. É uma ditadura militar. Em muitos aspectos é altamente repressiva para os presos políticos”
Jimmy Carter, então candidato a presidente dos EUA, em entrevista à “Playboy” americana em novembro de 1976 (a edição brasileira da revista cortou a menção ao Brasil). Eleito, Carter mudou a posição simpática dos EUA, que atuara diretamente em favor do golpe de 1964, em relação ao regime brasileiro
“Se alguém for contra, eu prendo e arrebento”
Figueiredo, escolhido sucessor de Geisel em 1978, após ser questionado sobre a abertura política
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