Impeachment já atingiu Francis Bacon e amante de rei
O ano era 1363 e a Baixa Idade Média corria solta quando Alice Perrers, 15 anos, passou a ser amante do rei Eduardo 3º da Inglaterra. Com status e habilidade, ao longo dos anos Alice ampliou seu prestígio, suas terras e ganhou inimigos.
Com a morte do monarca, em 1377, ela acabou acusada de corrupção e condenada pelo Parlamento à pena de confisco de bens e banimento do reino.
Alice Perrers foi, segundo o professor Sérgio Resende Barros, da USP, a primeira mulher a sofrer um impeachment na história.
Nascido na Inglaterra medieval e com primeiro registro concreto um ano antes da punição contra a amante do rei, o instituto do impeachment foi pensado para viabilizar punições pelo Parlamento contra aqueles “além do alcance da lei ou que nenhuma outra autoridade no Estado vai processar”.
Em tese aplicável contra qualquer pessoa e por qualquer crime, o impeachment inglês se refinou ao longo dos séculos e se concentrou em políticos de destaque, ajudando a fortalecer o parlamentarismo e controlar o poder real.
Talvez a figura mais proeminente já vitimada por um impeachment é Francis Bacon (1561-1626), um dos pais da ciência moderna. Procurador-geral e depois “lord chancellor” (alto conselheiro do rei), o filósofo foi condenado por corrupção sob acusação de recebimento de propina.
O parlamentarismo inglês acabou por encontrar formas mais rápidas e simples de punir autoridades e o impeachment acabou considerado obsoleto –foram menos de 70 impedimentos na história do reino, o último deles em 1806.
Impeachment à brasileira
O impeachment acabou reabilitado pela Constituição dos Estados Unidos, ganhando características de dispositivo republicano.
No Brasil, a possibilidade de impedir o presidente estreou já na Constituição republicana de 1891 (a carta do Império só previa punir ministros).
Coautor da primeira carta republicana, o político, diplomata e jurista Rui Barbosa (1849-1923) perdeu rapidamente as esperanças de que o impeachment um dia vingaria no Brasil.
Já em 1910, então em campanha pela Presidência da República na qual seria derrotado, Barbosa reclamou do sistema presidencialista e de sua “ausência de responsabilidade, que, reduzida, nas instituições americanas, ao impeachment do chefe da nação, não passa de uma ameaça desprezada e praticamente inverificável”.
Pouco depois, em 1913, lamentou que denúncias contra o presidente Hermes da Fonseca não tivessem sido levadas em frente e vaticinou que “daí em diante ninguém mais enxergou na responsabilidade presidencial senão um tigre de palha” e “sequer um canhão de museu”.
Em seu ataque mais pessimista (e politicamente incorreto) ao impeachment, afirmou: “A responsabilidade criada sob a forma do impeachment é absolutamente fictícia, irrealizável, mentirosa, e onde as maiorias parlamentares são manejadas por um sistema de eleição que as converte num meio de perpetuar o poder às oligarquias estabelecidas, o regímen presidencial criou o mais chinês, o mais turco, o mais russo, o mais asiático, o mais africano de todos os regimens”.
Rui Barbosa não viveu para ver que o impeachment seria sim real e realizável, como se viu com Fernando Collor em 1992 e pode se repetir agora, com Dilma Rousseff.