Filme mostra Stálin sem maquiagem e com orelhas fotografadas por Hitler

Rodrigo Vizeu

Assim que Josef Stálin acabou de discursar no Congresso dos Sovietes de 1936, aplausos imediatos se espalharam. Segundo a tradição, o ditador soviético deveria ser aplaudido por 20 minutos. Ele, porém, pareceu impaciente e exibiu seu relógio de pulso à plateia.

“Todos os camaradas se entreolham. Ninguém quer ser o primeiro a parar de aplaudir. Não sei por que, volto a sentar”, contou um dos presentes, Vassili Petrovich Nicolaiev, que dois dias depois acabaria preso e torturado.

As imagens e o relato de Nicolaiev aparecem no documentário francês “Apocalypse, Staline”, que estreou em horário nobre no país europeu nesta terça-feira (3) pelo canal France 2.

http://www.dailymotion.com/video/x3caxgu_apocalypse-staline-portrait-d-un-des-dictateurs-les-plus-feroces-du-xxe-siecle_news

Pela internet, será possível comprar o filme importado e em francês em DVD ou Blu-ray a partir do dia 25 de novembro.

O documentário, dividido em três episódios, integra a série “Apocalypse”, dirigida pelos franceses Isabelle Clarke e Daniel Costelle, sucesso de público na França e que já tratou de Adolf Hitler e das duas guerras mundiais. Esses primeiros foram exibidos no Brasil pelo “National Geographic”. O filme sobre a Segunda Guerra está disponível por aqui em DVD e Blu-ray.

Auxiliados por edição e trilha sonora dinâmicas e a narração-grife do ator Mathieu Kassovitz (o namorado da Amélie de “O fabuloso destino de Amélie Poulain”), os diretores criaram uma fórmula que transformou algo geralmente insosso como documentários históricos para TV em sucessos de vendas.

HOMEM DE AÇO

Como seus predecessores, o “Apocalypse” sobre Stálin mostra cenas inesperadas. Vê-se em cores a Geórgia natal do ditador, a juventude como seminarista que influenciou sua personalidade dura e paranóica, cenas de sua intimidade e os atos públicos de culto à personalidade do líder que comandou União Soviética na Segunda Guerra e impôs sua esfera de influência no mundo.

Entre as cenas impressionantes, uma rara imagem mostra o ditador sem a maquiagem que costumava usar para esconder as marcar de varíola do rosto, ou com os braços de diferentes tamanho que a propaganda oficial tratava com discrição.

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Imagem do documentário mostra Stálin sem a maquiagem que usava para esconder as marcas de varíola. Crédito: reprodução Daily Motion.

Em outro bom relato, sabemos como, após assinar um pacto de não agressão com Hitler em 1939, Stálin recebe o fotógrafo oficial do colega alemão, enviado a Moscou com a ordem fotografar as orelhas do soviético. Segundo os “cientistas” raciais nazistas, seria possível identificar judeus a partir dos lóbulos de suas orelhas.

As imagens serviriam para análise posterior do Terceiro Reich: haveria alguma chance de o novo aliado dos nazistas ter ascendência judaica? Hitler pareceu convencido de que não era o caso.

POLÊMICA À LA FRANÇAISE

No país do existencialismo e dos programas de debates intermináveis entre intelectuais na TV, é claro que o documentário provocou polêmicas.

Para começar, pela colorização das imagens (o processo levou 23 semanas) que são originalmente em preto e branco, apontada por alguns historiadores como uma alteração deletéria de documentos históricos desde o primeiro filme da série, de 2009.

Para seus entusiastas, as cenas coloridas aproximam a história do público jovem e ajudam a educar.

No caso de Stálin, a polêmica da vez é sobre a forma como o “Guia Genial dos Povos”, como era chamado na URSS, é retratado.

“Apocalypse, Staline” ressalta a estratégia vitoriosa e o sacrifício russo que garantiu a vitória para os Aliados, mas sobretudo a tirania do líder soviético, os milhões de mortos, os massacres, perseguições de aliados e a instalação do totalitarismo. Ele é apresentado como “o grande vencedor da Segunda Guerra Mundial, apesar de seus crimes, dos gulags e das execuções de massa”.

O jornal “Libération”, de esquerda e um dos principais da França, reclamou do que chama de falta de complexidade do filme. Que faltou lembrar dos aspectos de justiça social medidas “não apenas repressivas” de Vladimir Lênin e que a violência da guerra civil russa não foi só a cargo dos bolcheviques.

“Não se busca compreender por que essa Revolução Russa, mesmo que sangrenta, foi o ponto de união de milhões de proletários através do mundo, apesar dos crimes e das mentiras”, reclama o texto, que conclui que “Stálin foi um dos maiores assassinos de todos os tempos, mas, apesar de todos os seus crimes, nós lhe devemos muito”.

Em uma França em que o comunismo –mesmo que não de corte stalinista– tem até hoje uma acolhida simpática, Clarke e Costelle sabiam que ao falar de Josef Stálin estariam trazendo mais um ingrediente de polêmica para sua série “best-seller”. Não deve ter sido em vão.

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Ditador Josef Stálin em peça de propaganda comunista.