O dia em que as pessoas dançaram até morrer e outras histerias coletivas

Rodrigo Vizeu

Você deve se julgar esperto demais para embarcar em um grande e inexplicável surto de histeria coletiva. Provavelmente, alguns moradores do Sacro Império Romano-Germânico em 1518, do que seria a Tanzânia em 1962, de Cingapura em 1967 ou de Portugal em 2006 pensavam como você.

No caso de 1518, tudo começou em Estrasburgo, cidade hoje parte da França, quando Troffea, até então uma cidadã medieval comum, saiu às ruas e começou a dançar até a exaustão e sem razão específica. Horas depois, voltou ao frenesi.

ÇPilgrimage of the Epileptics to the Church at MolenbeekÈ | ÇDancing ManiaÈ | ÇThe dance at MolenbeekÈ Pieter Breughel the Younger, painting.
Pintura de Pieter Bruegel, o Jovem, retrata músicos tocando para pessoas em surto de dança na Europa medieval.

Segundo John Waller, no livro “The Dancing Plague: The Strange, True Story of an Extraordinary Illness”, cerca de 400 pessoas acompanharam a pobre Troffea em sua loucura nos meses seguintes, das quais cem podem ter morrido por dançar até o fim de suas forças.

A epidemia de dança mobilizou as autoridades imperiais, que desenvolveram teorias estapafúrdias para a cura, entre elas uma que dizia que colocar músicos para tocar em torno dos dançarinos os tiraria do transe.

A histeria pode ter ocorrido devido a um conjunto de fatores, incluindo o mau tempo que devastou lavouras e levou a fome e pobreza na região, uma intoxicação alimentar e, claro, a boa e velha superstição medieval. As crendices da época devem ter tido sua parte na responsabilidade por diversas epidemias de dança terem ocorrido no período.

Caindo no riso

Pulando para o século 20, outro episódio misturou algo divertido –no caso, rir– com o grande transtorno social proporcionado pela histeria coletiva. Em 30 de janeiro de 1962, três alunas de uma escola de adolescentes do vilarejo de Kashasha, na atual Tanzânia, iniciaram um ataque de risos que se espalhou no lugar.

Até aí tudo bem, rir é contagioso. A diferença foi que as gargalhadas se espalharam, durando de algumas horas a, no caso mais severo, 16 dias. Em longo de quase três meses de epidemia, relata um artigo da época publicado no “Central African Medical Journal”, 95 das 159 estudantes da escola caíram na risada (e em alguns casos, em crises de choro também) de forma descontrolada.

Felizmente, ninguém morreu, mas a epidemia se propagou e escolas foram temporariamente fechadas em outras áreas de Tanganica, que era como o país se chamava antes de se unir à República de Zanzibar e formar a atual Tanzânia (o nome vem da união do início do nome dos dois países predecessores). Exames foram realizados e nenhuma doença foi detectada, levando os médicos a concluírem por mais um caso de histeria. O vídeo abaixo, em inglês, conta um pouco da história:

Cinco anos depois do episódio africano, Cingapura foi palco de outro caso de histeria coletiva especialmente perturbador. O governo da pequena república asiática teve que convocar coletivas de imprensa para tranquilizar a população para negar um suposto surto de retração do pênis entre a população.

O medo não é inédito. Conhecido como “koro” (ou “shuk yang” para os chineses), o temor descabido de que o pênis está se retraindo para dentro do abdômen até desaparecer (e eventualmente matar a vítima) está até nos manuais de transtornos mentais e é mais comum na Ásia, embora haja registros de relatos em outras regiões do planeta.

Para quem embarca no terror, a única forma de evitar a desaparição peniana é segurar o órgão ou prendê-lo com clipes, grampos ou hashis, o pode levar a ferimentos graves e até automutilação. Surto análogo já foi descrito também entre mulheres, em que há a falsa impressão de encolhimento dos lábios vaginais ou dos seios.

O caso de Cingapura, registrado em um artigo que está na Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA, ganha destaque pela escala. Os médicos locais, que registravam poucos casos de koro por ano, atenderam cerca de 70 a 80 por dia durante a epidemia, que foi de outubro a novembro daquele ano.

Segundo os relatos, todos os pacientes eram chineses e a maioria tinha menos de 20 anos. A loucura começou porque um boato dava conta que o koro se manifestava após a ingestão de carne de porco contaminada. Em um dos episódios, uma mãe desesperada levou seu bebê ao hospital com a convicção de que o pênis dele reduzia de tamanho e era sugado para dentro do corpo.

Vírus da novela

Agora, um caso mais atual e menos pesado, ocorrido em Portugal em 2006. Na época, a juventude patrícia acompanhava com fervor a série “Morangos com açúcar”, uma espécie de “Malhação” local. Em um de seus episódios, um vírus que causava sintomas como dificuldade de respirar e irritações na pele se espalhou pela escola onde se passava a trama.

Por motivos que não são claros até hoje, centenas de adolescentes espalhados por Portugal foram parar em hospitais relatando sintomas de alergias e intoxicação. Só em uma escola próxima a Lisboa, relata texto da época no site do jornal “Público”, 43 crianças deram entrada relatando alergia, o que não se confirmou em exames. As autoridades de saúde concluíram que o “vírus Morangos com açúcar”, como ficou conhecido, não passou de um fenômeno psicológico.

A série chegou a ser exibida no Brasil, pela Band, mas sem qualquer relato de histeria na ex-colônia. Aqui o leitor pode assistir, por sua conta e risco, uma das cenas com o vírus, em que a personagem Daniela é dramaticamente isolada após se infectar, para desespero de seu amado, que lhe toca a mão apesar de todas as restrições sanitárias.