Nunca antes na história do país um ex-presidente havia sido condenado por um crime

Um clichê lulista se aplica à condenação de Luiz Inácio Lula da Silva: nunca antes na história deste país.

Uma sentença condenatória na esfera penal contra presidentes ou ex-presidentes da República é algo inédito no Brasil.

Não que antecessores e sucessores do petista não tenham sido alvos na Justiça, mas nenhum deles chegou a ser objeto de decisão judicial desfavorável.

TEMER E COLLOR, DENUNCIADOS

Quem mais chegou perto da situação de Lula foram Michel Temer (2016-) e Fernando Collor (1990-1992).

Os dois são os únicos a terem sido alvos de denúncia ainda durante seus mandatos –embora só o primeiro estivesse no exercício da função ao sê-lo.

O atual presidente, com seu caso notoriamente em curso, é denunciado pela Procuradoria-Geral da República sob acusação de corrupção passiva no âmbito da delação da JBS.

A Câmara discute se dá aval ao prosseguimento da acusação. Só então o Supremo Tribunal Federal poderia tornar Temer réu e, depois, condená-lo ou absolvê-lo.

Já Collor foi denunciado, também sob a acusação de corrupção, um mês e meio antes de ser definitivamente cassado pelo Senado no seu processo de impeachment.

À época da acusação da PGR, ele estava temporariamente afastado da Presidência.

O primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar seria, porém, absolvido por falta de provas.

Collor chora em sua festa de 50 anos, em 1999

Hoje senador, Collor voltou a ser denunciado pela PGR, em 2015, no âmbito da Operação Lava Jato, mas a Justiça ainda não decidiu sobre torná-lo ou não réu.

Só a partir daí poderia haver uma eventual condenação.

DILMA E SARNEY, INVESTIGADOS

A ex-presidente Dilma Rousseff (2011-2016) é hoje investigada, junto com Lula, sob suspeita de tentar obstruir a Lava Jato. Ainda não houve denúncia ou pedido de arquivamento pela Procuradoria.

Também é investigado sob suspeita de tentar atrapalhar a Lava Jato José Sarney (1985-1990). Mais uma vez, ainda não houve acusação da PGR.

JK E JANGO, INVESTIGADOS PELA DITADURA

Ex-presidentes também foram alvo de investigação no contexto do regime militar que vigorou no país de 1964 a 1985.

É importante, porém, diferenciar a atual ordem constitucional e democrática, com independência do Judiciário, daquele período, no qual o governo operava à margem do Estado de Direito e mecanismos legais arbitrários serviam aos interesses da ditadura.

Adversários dos militares e com direitos políticos cassados, os ex-presidentes Juscelino Kubitschek (1956-1961) e João Goulart (1961-1964) foram investigados sob suspeita de enriquecimento ilícito.

JK em 1963, após deixar a Presidência (Acervo UH/Folhapress)

Os dois foram alvos da temida Comissão Geral de Investigação, tribunal sumário chefiado pelas Forças Armadas que existia à revelia do sistema judicial.

Os processos contra JK e Jango não tiveram prosseguimento e eles não chegaram a ser condenados –embora JK tenha sido mantido sob cárcere em um quartel pós-AI-5, e depois passado um mês em prisão domiciliar.

Os presidentes do período militar –Castelo Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo–, embora tenham comandado o país em meio a desaparecimentos e torturas de presos políticos sob a custódia do Estado, nunca foram processados.

A lei da anistia perdoou tanto opositores do regime quanto militares.

Tampouco foi processado Getúlio Vargas, ditador entre 1937 e 1945 e que se suicidou em 1954, durante seu segundo governo, desta vez democrático. À época, o entorno do presidente era investigado.

OS PRESOS

Condenado em primeira instância, Lula só será preso em caso de sentença de segunda instância que confirme a decisão de Moro.

A história guarda episódios de presidentes e ex-presidentes presos, mas sempre sem condenações em processos judiciais.

Em julho de 1922, o marechal Hermes da Fonseca, que estivera à frente do país de 1910 a 1914, foi encarcerado após se envolver na revolta tenentista.

Hermes da Fonseca, presidente entre 1910 e 1914, foi preso em 1922

Hermes seria libertado após um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal em seu favor em janeiro de 1923.

A defesa argumentava que o ex-presidente sofria constrangimento ilegal, pois estava preso sem culpa formada e com o processo irregularmente na esfera militar quando o caso era de crime político, sujeito à jurisdição civil.

Também foi preso Washington Luís (1926-1930), forçado a deixar a cadeira presidencial pelo golpe de 1930, que levaria Vargas ao poder. Em seguida, o presidente deposto partiu para o exílio.

Capa de “O Globo” com a notícia da deposição de Washingon Luís. Saída de presidente do palácio foi fotografada pelo jornalista Roberto Marinho

Outra vítima do varguismo foi Artur Bernardes (1922-1926). O ex-presidente foi preso por apoiar os revoltosos constitucionalistas de 1932 e passou alguns meses confinado em sua fazenda durante a ditadura do Estado Novo, em 1939.

Já Café Filho (1954-1955) chegou a ficar mantido incomunicável em seu apartamento, guardado pelo Exército, antes de ter seu impedimento votado pelo Congresso durante a crise que precedeu a posse de JK.

PEDRO 2º, BANIDO

O primeiro chefe de Estado brasileiro punido não foi um presidente, mas um imperador, mais uma vez à margem do sistema judicial.

Exilados após a proclamação da república, dom Pedro 2º e sua família foram banidos em 1889 do território nacional por meio de um decreto do governo provisório chefiado pelo marechal Deodoro da Fonseca, que liderou o golpe que derrubou o regime monárquico.

A medida só seria revertida 31 anos depois.