A vez em que o Brasil demorou seis meses para perceber que fora invadido pela Inglaterra

Rodrigo Vizeu

O leitor talvez não saiba, mas o Brasil tem sua própria versão –mesmo que muito mais curta e monótona– das ilhas Malvinas. Até porque nem guerra houve.

Corria o ano de 1895, época difícil para a jovem república brasileira, instalada por um golpe seis anos antes. Em crise econômica, política e militar, o regime penava para se consolidar, despertando no exterior ainda mais condescendência do que hoje.

Eis que em julho daquele ano, o país toma conhecimento de que a inóspita ilha de Trindade, a mais de mil quilômetros do litoral do Espírito Santo, no extremo leste do país, fora ocupada pelo Reino Unido sob a justificativa de instalar uma estação telegráfica entre Londres e Buenos Aires.

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Para vergonha geral, a invasão veio a público por meio de um jornal destinado à comunidade britânica no Rio de Janeiro e apenas meses após o desembarque britânico, ocorrido em janeiro ou fevereiro.

O caso excitou os brasileiros, embora não fosse a primeira vez que a cobiça estrangeira mirava a obscura ilha vulcânica. Dois anos antes, em 1893, um excêntrico americano, James Harden-Hickey, virou piada internacional ao se declarar “príncipe de Trinidad”, como chamava a ilha, chegando a criar símbolos “nacionais”, preparar um plano de colonização e abrir um escritório de representação em Nova York.

Mas agora Trindade era alvo não da loucura de “James 1º”, mas dos interesses concretos do imperialismo britânico em pleno esplendor vitoriano.

Na Câmara brasileira, o deputado Nilo Peçanha, que viria a ser presidente do Brasil entre 1909 e 1910, minimizou o fato de ser oposição ao governo. “Ante a (…) imagem da pátria querida e por cuja integridade territorial somos um só homem e uma só vontade, desaparecem os partidos e os atritos, as discórdias e as reações.”

“As nações europeias estavam de alcateia para explorar nossas fraquezas”, lamentou o deputado Lamenha Lins, como registra Virgílio Caixeta Arraes, doutor em história e professor de Relações Internacionais da Univesidade de Brasília.

Trindade fora descoberta por um navegador português no século 16. Mas, argumentava o Reino Unido, era território britânico desde 1700, quando o capitão e astrônomo Edmond Halley (sim, o mesmo que batizou o cometa), desembarcou ali e a declarou possessão de seu país, já que se tratava de local desabitado.

A solução para o impasse estaria em uma mediação internacional, a que o governo do presidente Prudente de Morais resistia. Afinal, não caberia entrar em uma disputa formal sobre um território que se sabia brasileiro.

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Prudente de Morais, presidente do Brasil à época da crise de Trindade

O representante brasileiro no Reino Unido, Artur de Sousa Correia, aconselhou que aquele era o melhor caminho a trilhar.

Afinal, para não abrir precedentes em outros territórios, os ingleses não iriam embora pura e simplesmente, mesmo que já estivessem, àquela altura, desinteressados por Trindade, árida e de desembarque difícil demais para os planos de telégrafo.

Correia lembrou ainda que a Inglaterra nunca sugerira algo parecido à Argentina sobre as Malvinas.

A arbitragem de Portugal constatou que Trindade era mesmo brasileira e os ingleses se foram em agosto de 1896. Para alívio geral, já que a jovem e empobrecida república brasileira não tinha chances em um conflito militar com a Coroa britânica.

De forma rápida e diplomática, evitamos ter hoje um drama à la Malvinas. Trindade é brasileira.

Celebremos!